Cancro da cabeça e do pescoço: cuidado com o tabaco e o álcool

Saúde e Medicina
Cancro
Última atualização: 01/03/2023
Cancro da cabeça e do pescoço

O consumo de tabaco e álcool, bem como a infeção por HPV, constituem as principais causas do cancro da cabeça e do pescoço. A oncologista Leonor Abreu Ribeiro fala sobre a necessidade de prevenção e dá conta das inovações disponíveis para o tratamento deste tumor.

É o sexto cancro com maior número de novos casos diagnosticados em 2020, tanto no mundo como em Portugal, segundo dados da Agência Internacional para a Investigação do Cancro e, só no nosso país, foi responsável por 4,41% das mortes por cancro. Mas apesar dos números, verifica-se ainda uma grande necessidade de sensibilização para esta doença, razão por que, no dia 27 de julho, se assinala o Dia Mundial do Cancro da Cabeça e do Pescoço. 

Desde logo, importa perceber que são vários os tumores considerados na designação habitualmente utilizada. Segundo Leonor Abreu Ribeiro, oncologista, “o cancro da cabeça e do pescoço compreende todos os tumores malignos da cavidade oral, faringe e laringe, além de outras áreas anatómicas com particularidades próprias, como os seios perinasais, a cavidade nasal, as glândulas salivares, que inclui a parótida e a glândula tiroideia”. Entre estes, os mais frequentes são os tumores da cavidade oral, da faringe (que inclui orofaringe, hipofaringe e nasofaringe) e da laringe.

As pessoas mais afetadas são os homens na faixa etária entre os 60 e os 70 anos e a explicação reside nos fatores mais comuns para o desenvolvimento desta doença: “Os principais fatores de risco são o tabaco e o álcool, contando para o risco a quantidade e o número de anos de consumo durante a vida de uma pessoa. Se houver associação, ou seja, quando numa mesma pessoa existem estes dois fatores em conjunto, o risco não é duplo, mas sim multiplicativo.”

Outro fator de risco, que nalgumas partes do mundo tende a assumir o primeiro lugar, como refere a especialista, é a infeção pelo vírus do papiloma humano (HPV). “Este pode alojar-se preferencialmente na orofaringe e aí permanecer por longos anos, contribuindo para alterações moleculares e citológicas locais, favorecendo o aparecimento de células atípicas”, afirma a médica, que é também vogal da direção do Grupo de Estudos do Cancro da Cabeça e do Pescoço, sublinhando que “em Portugal, existem casos de tumores HPV positivos em pessoas que também fumam e bebem, pelo que se junta o efeito destes três principais fatores de risco”.

Prevenir é fundamental

Sabendo-se com tanta clareza quais os fatores que levam ao aparecimento deste cancro, é fácil concluir que a sua prevenção é possível e fundamental. “A prevenção primária consiste realmente na eliminação dos fatores de risco, reduzindo a incidência das lesões”, explica Leonor Abreu Ribeiro, segundo a qual, “a cessação tabágica e alcoólica também reduz a frequência de recidivas [reaparecimento] de tumores em pessoas que já tiveram e que estão sem doença após tratamento”. De acordo com a oncologista, “as recidivas são frequentes nos primeiros dois a cinco anos, sobretudo nos primeiros três anos”, sendo que, “se durante o tratamento, nomeadamente com radioterapia e quimioterapia, as pessoas continuarem a fumar e a beber, correm mais risco de insucesso da terapêutica”.

A prevalência de HPV está a aumentar, sobretudo nos mais jovens, razão por que o National Cancer Institute salienta a importância de se evitar esta infeção, já que o HPV pode afetar a pele e as membranas húmidas, como os presentes na boca e na garganta. Saliente-se que a vacina contra infeções por HPV está incluída no Programa Nacional de Vacinação, devendo ser administrada a raparigas e rapazes aos 10 anos de idade. 

Sintomas que merecem atenção

Os sintomas que podem levar a suspeitar de cancro da cabeça e do pescoço variam conforme a localização da doença e o principal desafio é que “podem confundir-se com outras doenças benignas como inflamação ou infeção”. Assim, a médica chama a atenção para os seguintes sintomas, mas apenas no caso de “persistirem após um primeiro tratamento, assumindo tratar-se de inflamação ou infeção, com duração após duas a três semanas”. Nesse caso, isto é, se os sintomas permanecerem, a pessoa deve procurar aconselhamento médico. Entre os sinais mais comuns, destaca:

  • Lesão esbranquiçada, avermelhada e/ou ulcerada na cavidade oral ou orofaringe;
  • Rouquidão, obstrução nasal ou corrimento nasal, sobretudo se apresentar sangue;
  • Dor ao engolir;
  • Tumefação na face ou no pescoço.

Muito mais do que o físico

As repercussões do cancro da cabeça e do pescoço são grandes e tal não se deve apenas às consequências que tem na saúde física, mas também psicológica do doente. Isto porque são muitas as dimensões afetadas por este tumor. “O impacto é importante, precisamente por afetar funções como a fala, a mastigação, a deglutição ou a respiração, além da alteração da imagem corporal da face e do pescoço”, avança a médica, acrescentando que a doença “pode comprometer desde um evento familiar ou social, como um jantar em família ou uma ida ao café, por exemplo, até ao exercício da profissão, no caso de tarefas relacionadas com o atendimento público ou ensino, entre muitos outros exemplos”.

Nesse sentido, alerta para o cuidado que deve ser colocado na escolha da terapêutica: “O desejável será conseguir-se uma longa sobrevivência dos nossos doentes sem doença ativa, associada a uma boa qualidade de vida, ou seja, com um status físico e funcional o mais próximo do anterior à doença.” Para tal, quando um tratamento é definido, este “deve ser o melhor em termos de evidência de sucesso, isto é, em termos de resposta com intenção curativa ou controlo de situação avançada, consoante a situação clínica em causa, mas sem nunca esquecer as possíveis consequências a longo prazo, ou seja, os chamados efeitos tardios da terapêutica”, pormenoriza.

Que opções terapêuticas existem?

O tratamento assenta em três pilares, que podem ser usados individualmente ou em combinação, conforme o caso clínico: a cirurgia, que inclui frequentemente cirurgia reconstrutiva com a colaboração da especialidade de Cirurgia Plástica; a radioterapia, orientada pela especialidade de Radioncologia; e o tratamento sistémico, este da responsabilidade da Oncologia Médica. “A escolha do tratamento ou da sua sequência depende da localização, do tamanho do tumor, da sua relação com as estruturas vizinhas, do volume de gânglios do pescoço afetados pela doença e da existência, ou não, de envolvimento de outros órgãos à distância, as chamadas metástases à distância”, esclarece a especialista. É esta avaliação que vai determinar o estadiamento do tumor, lembra, ressalvando que o estádio da doença “deve ser integrado com as características do doente em si, considerando as suas outras doenças anteriores, idade e estado geral”. “Hoje em dia, é impensável definir uma estratégia terapêutica sem ter todos estes dados em consideração e após discussão em grupo multidisciplinar de decisão terapêutica”, realça.

Inovações que melhoram o prognóstico

Muitos têm sido os avanços registados nos últimos anos, responsáveis por garantir melhores respostas terapêuticas aos doentes, desde o aperfeiçoamento de técnicas cirúrgicas e de radioterapia até novos fármacos. Entre estes, a médica destaca que, “recentemente, após descoberta de proteínas associadas à interação entre o tumor e o nosso sistema imunitário, tem havido grandes avanços na imunoterapia”, levando a que já existam aprovados, nos EUA e Europa, dois fármacos para tratamento de doença avançada, com indicações específicas. Leonor Abreu Ribeiro explica que a utilização destes fármacos para tratamento da doença localmente avançada ainda está em investigação, mas “reside uma grande expectativa e esperança de utilização nesta fase, para permitir uma redução do volume de doença antes da cirurgia, testar a biologia tumoral e a sua sensibilidade a estes fármacos, permitindo melhores resultados locais e respostas em termos de controlo da doença localmente e à distância”. É, pois, aqui que se encontra, nas suas palavras, a esperança no desenvolvimento de um tratamento mais eficaz para esta patologia, que tem atualmente uma elevada taxa de morbilidade e mortalidade.

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