Toxoplasmose – é mesmo perigosa?
- A toxoplasmose é uma das parasitoses mais comuns nos gatos e inofensiva para a maior parte das pessoas. Mas, no caso das grávidas não imunes, a toxoplasmose pode constituir um risco.
- A especialista em obstetrícia e ginecologia, Teresa Bombas, explica como se transmite, os perigos que representa na gravidez e as melhores formas de a prevenir.
A toxoplasmose não acarreta riscos para a maior parte da população, mas no caso das grávidas pode constituir um grave problema.
O gato é um dos animais de estimação preferidos de crianças e adultos, reconhecendo-se os inúmeros benefícios de cuidar de um. Ainda assim, há situações que importa ter em conta a bem da saúde de todos. É o caso da toxoplasmose, uma parasitose muito frequente nos gatos e que é transmitida aos humanos, na generalidade dos casos sem gravidade. Mas com exceções, como no caso das grávidas não imunes. Neste artigo, vamos perceber de que risco estamos a falar quando em causa está a toxoplasmose e a gravidez. Afinal, será mesmo perigosa?
O que é a toxoplasmose?
Mas, antes disso, importa esclarecer que a toxoplasmose é uma doença transmitida pelo parasita Toxoplasma gondii, o qual pode infetar qualquer mamífero, sendo o hospedeiro definitivo o gato. O parasita existe sob três formas: trofozoíto (forma invasiva), quisto (forma latente) ou oocisto (apenas no aparelho digestivo dos gatos ou no solo contaminado). Segundo a especialista em obstetrícia e ginecologias, Teresa Bombas, “numa pessoa saudável, a toxoplasmose não tem complicações e frequentemente a infeção não determina sintomas específicos ou apenas dá origem a sintomas semelhantes a uma gripe, que são autolimitados”. O mesmo pode não acontecer em quem apresenta o sistema imunitário mais vulnerável ou durante a gravidez – aliás, nesta situação específica, a toxoplasmose “pode implicar consequências graves para o feto”.
Como se transmite?
A prevalência da infeção é muito variável entre os diversos países e não existem dados nacionais sobre a toxoplasmose na gravidez, mas Teresa Bombas refere que “se estima que existam cerca de 11 casos de toxoplasmose congénita por 10 mil nascimentos”. De qualquer forma, uma recente metanálise global aponta para um elevado nível de toxoplasmose latente em gestantes, especialmente em alguns países menos desenvolvidos de África e América do Sul.
Em relação à transmissão, a obstetra salienta que “a espécie humana adquire a infeção através da ingestão do parasita, sob a forma de quisto, existente na carne crua ou mal cozinhada de animais infetados ou então pelo contacto com o parasita, sob a forma de oocisto, proveniente de gatos infetados e do solo ou de água contaminada”.
Estão sobretudo expostas à toxoplasmose “as mulheres grávidas que não tenham tido contacto com a infeção antes da gravidez”, ou seja, que não estejam imunes. Entre estas, a precaução deve ser redobrada no caso de “grávidas que residem em meio rural, que tenham profissões com contacto com a terra, produtos da terra ou com animais, por exemplo, trabalhadoras rurais, trabalhadoras de matadouros ou veterinárias”.
Estarei imune?
Uma vez que a infeção pode passar despercebida, o diagnóstico da toxoplasmose na grávida implica o rastreio sistemático. Como? “Através da realização de análises, uma vez por trimestre, segundo as recomendações nacionais”, explica a médica. As análises consistem no estudo serológico com determinação das imunoglobulinas G (IgG) e M (IgM), sendo que estão sobretudo vulneráveis “as grávidas que não tenham tido contacto com a infeção antes da gravidez” e cujos resultados das análises realizadas na consulta pré-concecional são IgG negativa e IgM negativa (ver quadro). Os anticorpos da classe IgM indicam o contacto recente com o agente infecioso e a pesquisa de anticorpos estáveis da classe IgG indicam uma imunidade antiga.
Nas palavras de Teresa Bombas, “a IgM específica pode ser detetada uma a duas semanas após a infeção, atinge concentração máxima ao fim de um a dois meses e diminui posteriormente, sendo indetetável ao fim de seis meses a um ano após a infeção. Já a IgG surge uma semana após o aparecimento da IgM, tem um pico ao fim de dois meses e o título permanece elevado durante meses, diminuindo posteriormente”.
Riscos na gravidez
Os riscos de uma infeção por toxoplasmose durante a gravidez são graves e incluem “aborto espontâneo, morte fetal, parto pré-termo e infeção fetal e neonatal”. Mas importa realçar que “nem todas as grávidas infetadas durante a gestação vão ter complicações”, uma vez que “o período da gravidez em que acontece a infeção determina a frequência e a gravidade”. Desta forma, o risco de transmissão fetal é baixo, mas grave, no primeiro trimestre (risco de infeção de 10 a 25%); aumenta no segundo trimestre (30-35%) e é máximo no terceiro trimestre (60-80%). “Na altura do nascimento, as infeções subclínicas [isto é, que não produzem manifestações] são as mais frequentes podendo vir a ocorrer mais tarde alterações na visão, audição e do sistema nervoso central, incluindo atraso mental”, esclarece a especialista.
Por outro lado, o clínico pode suspeitar de infeção por toxoplasmose do feto no caso de detetar, nas ecografias realizadas, determinadas alterações, como calcificações intracerebrais, hidrocefalia, coriorretinite (inflamação da córnea e da coroide), hepatoesplenomegalia (aumento do tamanho do fígado e do baço ), ventriculomegalia (dilatação dos ventrículos cerebrais fetais), ascite (acumulação anormal de líquido no abdómen), derrame pleural, entre outras.
O que se faz se houver suspeita?
Perante a suspeita de infeção por toxoplasmose, o primeiro procedimento passa por encaminhar a grávida para um centro obstétrico diferenciado. Aqui deverá ser “confirmada a seroconversão, seguida da confirmação da infeção fetal através de análises específicas ao líquido amniótico”, nomeadamente amniocentese e deteção do toxoplasma através da técnica de polymerase chain reaction (PCR), enumera a obstetra.
Caso a seroconversão seja confirmada, ou seja, se se detetar a presença de anticorpos relacionados com a toxoplasmose, “é iniciada uma medicação para prevenir a transmissão ao feto com um medicamento chamado espiramicina”. Por seu turno, perante a confirmação de infeção fetal, “discute-se com o casal a hipótese de interrupção de gravidez, apenas em gestações inferiores a 24 semanas, ou a possibilidade de terapêutica com a combinação de pirimetamina/sulfadiazina/ácido folínico, com o objetivo de diminuir as complicações fetais”.
Cinco medidas de prevenção
Mas para que não haja necessidade de chegar a medidas drásticas, a ginecologista/obstetra recomenda medidas de prevenção fáceis de seguir durante o período de gravidez:
- Não comer carne crua ou malpassada, em particular de ovino;
- Evitar alimentos crus provenientes da terra (fruta e vegetais) a não ser que cuidadosamente bem lavados com água corrente;
- Lavar bem as mãos após manipulação de carne crua ou trabalhos rurais e de jardinagem (a utilização de luvas é recomendada);
- Nunca beber água que não seja de fonte segura (tratada ou engarrafada);
- Evitar o contacto direto com gatos ou com utensílios com eles relacionados, nomeadamente a caixa de areia (já que é nas fezes que os gatos libertam os oocistos do parasita após ingerirem carne contaminada com quistos).
Como interpretar o resultado das análises
IgG |
IgM |
Significado |
Conduta |
negativa |
negativa |
Ausência imunidade |
São necessárias medidas de prevenção na gravidez |
positiva |
negativa |
Infeção antiga |
Não é necessário repetir a análise nas grávidas saudáveis. Não são necessárias as medidas de prevenção nas grávidas saudáveis |
negativa |
positiva |
Possível infeção recente |
Contactar médico assistente |
positiva |
positiva |
Possível infeção |
Contactar o médico assistente (realização de teste de avidez: teste de avidez forte – infeção há mais de quatro meses; teste de avidez fraco ou intermédio – repetir titulação a três semanas) |
Conteúdo revisto
pelo Conselho Científico da AdvanceCare.
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